A "Xuxa" se chama Marthia!
* Levei um susto quando abri a Revista da Folha hoje. Conheço (ou achava que conhecia) bem a loirona acima.
* Ela diz que o nome que ela escolheu para ela é Marthia (bom saber), mas aqui no bairro a chamam de Xuxa. Ela odeia. Quando ouve "Xuxa" ela tem um daqueles ataques da Amy Winehouse do Pânico: berra, xinga, solta 25 palavrões por minuto, assusta as crianças, briga com a mulher que vende frango de televisão, falta cuspir nos taxistas.
* A Marthia-Xuxa mora aqui desde que eu me conheço por gente e tem uma rotina sistemática. Dorme na Rua Itacolomi embaixo de um guarda-chuva gigante e azul, ao lado de um radinho de pilha e uma sacolinha de plástico. Faz compras no supermercado Madrid (sempre: cigarro, bolacha Maria, suco, leite de rosas e tintura pro cabelo) e toda semana vai à papelaria da Martim Francisco para comprar um pacote de folhas sulfite. Acabei de ficar sabendo pela reportagem que ela também checa o e-mail nessa papelaria. Repetindo: ela checa os e-mails.
* E daí, ela passa a tarde escrevendo e grampeando as folhas pelas árvores bairro. Antes eu parava pra ler, mas era sempre a mesma história. Ela dizia ter sido expulsa de casa pelos TFPs ("Tradição Família e Propriedade"), que eles mataram alguém da família dela, que ela queria que todos eles queimassem no inferno, etc. Eram acusações graves de corrupção e assassinato, mas acredito que nunca tenham levado aquilo tudo a sério.
* E hoje ela está aqui, berrando em frente a minha janela e também sendo chamada de poeta pela Revista da Folha. Pelo jeito as acusações viraram poesia, melhor eu comecar a ler novamente! E mesmo acompanhando a vida dela há mais de 20 anos, nunca soube nada disso:
A Poeta de Higienópolis
Todo sábado, Marthia Pasquali só sossega após fazer uma fezinha. Nunca ganhou na loteria, mas fez do jogo rotina em seus 25 anos nas ruas de Higienópolis. Lá, todos têm algo para falar sobre ela. "Foi mulher rica, que descasou e ficou assim", assevera o dono da banca. Marthia escreve poemas e os pendura nas grades dos prédios e árvores do bairro. "Quando unimos nossos corpos, todo o espaço se ilumina." Textos logo retirados pelos seguranças.
Recende a leite de colônia. "Marthia é chique. Anda perfumadíssima, tem documentos impecáveis, é figura fina", gaba-se Vera Caldas, 51, dona da papelaria onde a moradora de rua checa os e-mails e tem um armário. Ela acorda às 5h. Ouve as notícias no rádio de pilha e vai tomar café na padaria do Aníbal. Almoça na lanchonete da Cida. Faz entregas e pagamentos. "Meus amigos me dão R$ 10, R$ 20, depende do dia. Não peço." E calcula ganhar R$ 300 por mês.
Sentada em um banquinho, conta sua história. "Nasci Terezinha Ferreira da Silva, no Nordeste. Cresci numa favela no Rio, de onde fugi há 45 anos dos estupros do meu padrasto", narra. Em São Paulo, ganhou outra identidade. "Olhei num livro um nome bonito: Marthia. Juntei com outro, Pasquali. É meu até hoje." Foi balconista, babá, faxineira; casou-se com dois brasileiros e um argentino; teve quatro filhos, com os quais não fala há duas décadas. "Precisaria de uma vida inteira para entender a minha."
por William Vieira / fotos Jefferson Coppola
* Reproduzi aqui o texto porque na internet ele estava aberto só para assinantes.
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